por Nalena (nsnalena@gmail.com)
Gostei imensamente do livro de John Boyne, “O menino do pijama listrado”. Mas não como um livro infanto-juvenil. Acho que é justamente por sermos adultos que podemos saborear o que me pareceu realmente especial neste livro – a coexistência de diferentes níveis de significado, o de Bruno (o pequeno herói) e nosso próprio conhecimento sobre sua situação.
Bruno era um meninozinho alemão, que foi arrancado de seu cotidiano confortável em Berlim por uma valorizada promoção no trabalho de seu pai – trabalho esse que ele nem sabe exatamente o que seja, mas que é um trabalho importante, com um uniforme imponente. Nada lhe é explicado com clareza. Ficamos sabendo da época – o início dos “blackouts” na cidade – por um comentário de sua mãe sobre seu desagrado com o escuro imposto diariamente. A família é instalada longe, seu pai como comandante de um lugar estranho, que o menino e a irmã chamam de “Haja-Vista”, e que começamos a desconfiar ser Auschwitz, não mais na Alemanha, mas na Polônia ocupada. O livro conta a aventura existencial de Bruno - que procura entender e dar sentido a esta nova vida nessa nova realidade - e o relata seguindo o ponto de vista do menino.
Nós nos deparamos logo com algo universal: a defasagem entre o que uma criança acha, o que ela sabe que deve achar, segundo os adultos importantes de sua vida, e o que ela simplesmente repete, sem entender muito bem.
Acompanhamos as divergências do casal, que inicialmente parecem ser diferenças de personalidade e inclinação política, mas que insinuam diferenças também de classe social na origem (e sabemos das tensões entre as classes mais altas alemãs que tinham dominado a República de Weimar e as pessoas de origem mais modestas que subiram a posições de mando por sua filiação ao partido nazista). Estas informações nos são dadas pelas recordações de Bruno sobre seus avós maternos, seus gostos e valores, comparados aos do pai. Bruno mal parece perceber a extensão e ramificações da crise conjugal que engolfa o casal. E acompanhamos o desenvolvimento de Gretel, a irmã mais velha, de pré-adolescente denominada pela família - para gáudio de Bruno - de “um caso perdido”, a uma adolescente ao mesmo tempo romântica e decidida a “se dar bem” nos novos tempos. E seguimos as descobertas do garoto sobre os estranhos habitantes que moram do outro lado da cerca, todos vestidos com pijamas listrados.
A questão de “ver e não ver”, “saber e não saber” – tópicos tão pungentes em relação à sociedade alemã como um todo, a respeito da existência dos campos de concentração – é ilustrada pelas atitudes de várias personagens diferentes. A invenção e/ou aceitação de meias-verdades é uma constante nesta história que acaba tão mal.
Restrições à história existem. Não acreditei em momento algum que Bruno tivesse nove anos. Tudo nele aponta para seis anos, no máximo sete. Não é crível que ele e Gretel, ambos em escola em Berlim, desconhecessem o papel e importância do “Fúria”, considerando a arregimentação da infância e adolescência em organizações nazistas e a ubiqüidade do retrato do chefe. Auschwitz, na realidade, foi, desde antes de deflagrada a guerra, um lugar enorme, cheio de funcionários e oficiais. Não é crível que as crianças do comandante ficassem tão isoladas e sem supervisão.
Mas nada disso importa. Na edição em inglês, o título tem um complemento: “uma fábula”. E a moral desta fábula é nos lembrar a repercussão dos silêncios na vida da infância, e como todos nós, no coração, precisamos de um amigo.
O último parágrafo centraliza toda a essência que senti no livro!
ResponderExcluirÉ bem isso mesmo =}
Oi, Nalena! Resenha bonita a sua. Eu li e gostei bastante do livro. Lembro-me de quão impactada fiquei ao término da leitura. Não sei...eu acredito que um juvenil com fluência na leitura, com competência leitora (que se adquire lendo) conseguirá apreender a mensagem contida na narrativa.
ResponderExcluirBjs
O que mais me impressionou quando eu li esse livro foi a meneira como é escrito.
ResponderExcluirA questão das coisas serem contadas como Bruno as entendia me fascinou. Acredito sim que a inocência estava lá, que ele não conhecia de fato o que era feito.
Vivemos em tempos que criança quer ser adulto e saber de tudo,mas na década de 40 crianças eram só crianças e não se metiam no assuntos dos adultos.
Outra coisa que me faz crer na inocência: você contaria a seu filho o que você faz se sua profissão fosse matar pessoas pq elas são diferentes? Não, Bruno não sabia o que o pai dele fazia. E chega a discutir isso com Shumel, seu amigo.
Bom, eu achei o livro SENSACIONAL e recomendo. Mas também acho que não é literatura para crianças.