Por Kycia
Não há silêncio que não termine, de Ingrid Betancourt

Tema: Biografia e/ou Memórias / Mês: Fevereiro / Editora: Companhia das Letras / Número de págs.: 553


Sinopse: Entremeando a narrativa do cativeiro com reflexões sobre a morte, a liberdade e o poder, "Não há silêncio que não termine" reconstitui o período de mais de seis anos que Ingrid Betancourt passou no inferno verde da selva amazônica em poder das Farc, a principal organização guerrilheira da Colômbia.


Ingrid Betancourt era candidata pelo partido Oxigênio Verde a presidência da Colômbia em 2002, quando numa viagem ao município de San Vicente, foi seqüestrada, juntamente com Clara Rojas [uma de suas mais novas assistentes de campanha], pelas FARC [Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia]. 

No livro Não há silêncio que não termine, Ingrid relata os seus seis anos de cativeiro na selva Amazônica colombiana. Os abusos, as humilhações, as provas de sobrevivência, as reflexões.

Com uma incrível riqueza de detalhes, nós somos levados a reviver todas as angústias passadas pela autora. A cada parágrafo, cada página, parece que estamos lá, sendo acorrentados pelo pescoço, picados por um enxame de marimbondos, esperando ansiosos por notícias de nossas famílias. É tão real que chega a ser doloroso, porque nós acabamos sentido a dor que ela e seus companheiros sentiram.

Toda vez que a doctora [os mais educados a chamavam assim] se embrenhava em uma fuga, a gente acaba torcendo e ficando com o coração na mão pra que ela consiga, mesmo sabendo que ela só seria libertada muitos anos depois.

Mas, não só de tristeza e sofrimento é feito o livro: assim como são compartilhadas as angústias, também são as alegrias e surpresas. Quando ela escuta, pela primeira vez, a voz de sua mãe e de seus filhos num rádio, ou quando lhe é permitido fazer um bolo para comemorar os aniversários de Mélanie e Lorenzo [seus filhos]. Ou ainda quando ela relata as maravilhosas espécies da fauna e flora amazônica e quando ela recebe a notícia de que seus hermanos foram libertados.

Além disso, durante todo o livro nós somos levados a entrar na mente da autora. Acabamos nos jogando com ela num oceano de reflexões existenciais que terminam mudando a forma dela agir e ser. Se antes ela era impulsiva e sensível, agora passava a segurar mais seus sentimentos, procurando evitar exteriorizá-los ao máximo, porque naquele ambiente cada gesto, cada toque poderia ser visto como um ato invejoso, mesquinho, com ar de superioridade.  Se antes ela batia de frente e lutava, agora passava a ser mais controladora, ter uma certa frieza diante das situações, pensando dez mil vezes antes de agir. Tudo era necessário para conseguir manter um certo nível de convivência tanto entre ela e os guerrilheiros, quanto entre ela e os seus companheiros seqüestrados. E, acreditem, às vezes conviver entre os seus era mais difícil do que entre os inimigos.

Uma das coisas mais interessantes foi ver como Ingrid tentava passar o tempo. Ora lendo a Bíblia e descobrindo lições revigorantes, ora costurando cintos e remendando suas roupas. Ora ensinando francês aos interessados, ora lendo dicionários e livros que conseguiam chegar ao cativeiro. Vou confessar que fiquei impressionada com a capacidade da saga de Harry Potter em chegar a todos os cantos do mundo, até no meio das Farc!! E olha que a disputa por ele era grande. ^_^

Bem, me por no lugar da autora, reviver com ela todos aqueles momentos foi ao mesmo tempo terrível e surpreendente. Surpreendente, porque quando eu achava que os lados já estavam obviamente definidos [maus e bons], acabei descobrindo que, às vezes, de onde menos se espera é que vem a esperança, a bondade e vice-versa.  E terrível, porque não sei se conseguiria sobreviver como ela e seus companheiros sobreviveram por anos.

Quer dizer, imagina viver cada dia sem perspectivas para o dia seguinte, só ir deixando os segundos, os minutos, as horas preciosas da sua vida rolarem sem rumo. Só ir sobrevivendo naquelas condições miseráveis sem saber quando aquilo terá fim, se algum dia tivesse fim. É indescritível sentir suas esperanças se esvaziarem pela falta de algo sólido para sustentá-las. Na verdade, é penoso demais sentir isso. Como simples leitora de todos os acontecimentos narrados, senti um gostinho dessa desilusão e, vou confessar, já doeu bastante.

Quando fui em busca do livro, acabei comprando-o só pela vontade de saber como tinham sido os anos de cativeiros. Não sabia que junto levaria reflexões que mudariam meu jeito de pensar e minha maneira de agir. Ao me por no lugar de Ingrid por algumas horas, parece que, na verdade, passei todos aqueles anos junto dela, reaprendendo a viver.

Às vezes esquecemos de como as coisas pequenas e modestas é que são as mais importantes. A família, os amigos, um agradecimento por um simples café da manhã, um abraço, um cafuné, um gesto.
Acho que, acima de tudo, Não há silêncio que não termine nos traz uma grande lição: a de valorizar a vida que temos e as pessoas que nos rodeiam, e de viver intensamente cada segundo, porque, como o pai da autora diria, cada segundo é único e não volta mais.

Não se enganem pelo número de páginas, pois a narrativa é tão viciante que nem se percebe quando acabou. Recomendo muitíssimo!!

Besos y hasta la vista !! [Beijos e até a próxima]

Nota da capa: 3/5
Comentários: Ok, a capa não é linda e muito menos chamativa, mas acho que combinou com o tema de cativeiro na selva, principalmente devido às cores.
Nota do livro: 5/5


6 Comments

  1. Báh Kycia eu li para o desafio 2010 o livro que tem a carta dela para à mãe e que coisa sofrida foi isso hein? Sempre acompanhei o caso de Ingrid, assinei um abaixo-assinado francês pela libertação dela e tudo, é uma mancha na história mundial. Gostei demais de teu texto, pude perceber como tu te sentistes tocada por esta história e é tão bom isso. Fiquei com mais vontade ainda de ler esta biografia, até porque o "cartas à mãe" é tão fininho e não dá conta da demanda de minha curiosidade sobre este caso.
    estrelinhas coloridas...

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  2. Kycia, tenho gostado de ver seu envolvimento no desafio. Suas resenhas são sempre bem apanhadas e dá para ver que você se diverte seriamente lendo. Dica anotada!

    Beijocas

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  3. As vezes eu me surpreendo com a capacidade de superação e a adaptabilidade que temos, principalmente nas condições mais adversas.
    É sempre penoso ler relatos como esse, mas eles nos ajudam a refletir sobre diversas coisas que fazem parte da nossa vida, algumas até a que somos alheios por puro desinteresse.
    Vou procurar por esse livro na minha primeira oportunidade.

    Parabéns pela ótima resenha.

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  4. Gente, obrigada pelos comentários!!
    Realmente, os anos de cativeiro de Ingrid foram muito sofridos, mas também surpreendentes. É uma experiência para mudar a nossa maneira de encarar as coisas da vida.
    Fico muito feliz pelo interesse de vcs nessa obra!!
    Bjos

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  5. Pensei em ler esse pro desafio, mas em breve eu leio

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  6. Oi adorei.. muito obrigado, amei a maneira que vc usou para descrever essa resenha...me fez se interessar pelo livro....mas vc já leu o livro reverso escrito pelo autor Darlei... se trata de um livro arrebatador...ele coloca em cheque os maiores dogmas religiosos de todos os tempos.....e ainda inverte de forma brutal as teorias cientificas usando dilemas fantásticos; Além de revelar verdades sobre Jesus jamais mencionados na história.....acesse o link da livraria cultura e digite reverso...a capa do livro é linda
    shopping.uol.com.br/e-book-reverso_2631732.html

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