Resenha Desafio Literário 2011:
Tema: Épico / Mês: Março – opção 1
por Cleia (cleia.le@bol.com.br)
título: A CIDADE DOS HEREGES
autor: Federico Andahazi
editora: Planeta do Brasil
páginas: 263
título original: La Ciudad de los Herejes
tradução: Luis Reyes Gil
Amor, sexo, devoção, injustiça, liberdade, ambição, entre outros ingredientes, são utilizados por Federico Andahazi em seu interessante livro “A Cidade dos Hereges”, para criar uma história que fala da assustadora capacidade do homem de transgredir sua condição humana pelo poder e pelo dinheiro. Para abordar estas questões o autor “reconta” a história do Santo Sudário, uma relíquia cercada de incertezas quanto à sua autenticidade. Por trás de sua existência teria havido uma utopia e uma trágica história de amor, massacradas pelos interesses mais sórdidos dos poderosos de então.
Oficialmente, consta que o Santo Sudário estava na França desde 1306, levado pelo grão-mestre da ordem dos templários. Em 1356 a relíquia reapareceu e foi exposta para adoração dos fiéis na igreja de Lirey pelo duque Geoffrey de Charny, que teria sido ex-cavaleiro templário ou parente de um destes mestres. Desde então perduram a polêmica e os intermináveis testes e pesquisas para atestar sua autenticidade. Até hoje o mistério exerce um intenso fascínio, não somente sobre os católicos, mas sobre as pessoas em geral.
Na ficção, o autor inventa um tenebroso duque Geoffroy de Charny e a ele atribui a criação do Santo Sudário, puramente por interesse material. Movido pela cobiça decide construir uma igreja para auferir lucros com a peregrinação de fiéis para a adoração de relíquias em busca de milagres. Depois de algumas dificuldades, decide confeccionar o lençol em que teria sido envolvido Jesus Cristo depois de crucificado – e no qual teriam ficado impressas as marcas de sua face e de seu corpo, antes da ressurreição. Mesmo considerando que a idolatria era uma prática não aceita formalmente pela Igreja, o duque confia que será bem sucedido em vista dos sórdidos mecanismos de controle e opressão urdidos em conjunto pela Igreja e pelos senhores feudais.
Paralelamente à obsessão do duque, desenrola-se a história do amor entre Christine, sua filha, e Aurelio, que após um intenso e rápido encontro que inclui paixão e sexo estão, por motivos diferentes, internados em conventos religiosos. Aurélio por vocação e Christine por razões que não cabe aqui mencionar. Apesar de separados, o verdadeiro amor que sentem um pelo outro e a profunda decepção com a conduta viciosa e pervertida dos religiosos que encontram em ambos os conventos, estabelecem uma troca de cartas em que Christine questiona o celibato e vai comprovando que, para a salvação da alma é necessário desfrutar dos prazeres terrenos, ser feliz e salvaguardar o corpo para a ressurreição e o consequente encontro com Deus. Junto com companheiros que se identificam com suas idéias, Aurélio e Christine fogem para a Espanha e constituem uma comunidade baseada no amor, na liberdade e na repartição da produção com os camponeses (impensável no sistema feudal), que fica conhecida como Vilaviciosa, a cidade dos hereges.
Aproveitando o que há de incerto sobre o Santo Sudário, Andahazi cria uma história possível, encaixada na história oficial, a partir de um objeto de origem duvidosa, porém de importância inegável. Fala sem reservas sobre a vida licenciosa dos conventos, as condições adversas e limitadas da vida de grupos mais frágeis – como os pobres e as mulheres – numa sociedade extremamente desigual que se sustentava na sordidez, na hipocrisia e na crueldade. E não poupa a Igreja, como instituição que, de diversas maneiras, fomentou a desgraça humana. Cria um texto forte, cheio de erotismo e ao mesmo tempo rico na reflexão sobre a aplicação dos ensinamentos bíblicos na nossa vida real, tomando como eixo o binômio corpo/ressurreição, fator significante do Santo Sudário e linha mestra da argumentação de Christine. Apesar de a narrativa ser, por vezes, um pouco arrastada e pesada, especialmente em suas cartas, o livro vale ser lido.
Questiona a legitimidade das instituições/igrejas como propagadoras e mantenedoras do cristianismo em sua essência tendo em vista suas alianças com as instâncias de poder e deixa para o leitor uma reflexão sobre sua conduta perante os dogmas e os valores impostos pelas religiões, congregações e similares frente à sua própria capacidade de discernimento. E em que pese a grande diferença entre a Idade Média e atualidade, a questão que Andahazi levanta ainda cabe, infelizmente.
Nota: 4,5/5
Nota da capa : 3/5 – A capa não é feia, mas pouco criativa. Dá a impressão que o livro é uma simples aventura com castelos, cavaleiros medievais, lanças, armaduras...
Tema: Épico / Mês: Março – opção 1
por Cleia (cleia.le@bol.com.br)
título: A CIDADE DOS HEREGES
autor: Federico Andahazi
editora: Planeta do Brasil
páginas: 263
título original: La Ciudad de los Herejes
tradução: Luis Reyes Gil
Amor, sexo, devoção, injustiça, liberdade, ambição, entre outros ingredientes, são utilizados por Federico Andahazi em seu interessante livro “A Cidade dos Hereges”, para criar uma história que fala da assustadora capacidade do homem de transgredir sua condição humana pelo poder e pelo dinheiro. Para abordar estas questões o autor “reconta” a história do Santo Sudário, uma relíquia cercada de incertezas quanto à sua autenticidade. Por trás de sua existência teria havido uma utopia e uma trágica história de amor, massacradas pelos interesses mais sórdidos dos poderosos de então.
Oficialmente, consta que o Santo Sudário estava na França desde 1306, levado pelo grão-mestre da ordem dos templários. Em 1356 a relíquia reapareceu e foi exposta para adoração dos fiéis na igreja de Lirey pelo duque Geoffrey de Charny, que teria sido ex-cavaleiro templário ou parente de um destes mestres. Desde então perduram a polêmica e os intermináveis testes e pesquisas para atestar sua autenticidade. Até hoje o mistério exerce um intenso fascínio, não somente sobre os católicos, mas sobre as pessoas em geral.
Na ficção, o autor inventa um tenebroso duque Geoffroy de Charny e a ele atribui a criação do Santo Sudário, puramente por interesse material. Movido pela cobiça decide construir uma igreja para auferir lucros com a peregrinação de fiéis para a adoração de relíquias em busca de milagres. Depois de algumas dificuldades, decide confeccionar o lençol em que teria sido envolvido Jesus Cristo depois de crucificado – e no qual teriam ficado impressas as marcas de sua face e de seu corpo, antes da ressurreição. Mesmo considerando que a idolatria era uma prática não aceita formalmente pela Igreja, o duque confia que será bem sucedido em vista dos sórdidos mecanismos de controle e opressão urdidos em conjunto pela Igreja e pelos senhores feudais.
Paralelamente à obsessão do duque, desenrola-se a história do amor entre Christine, sua filha, e Aurelio, que após um intenso e rápido encontro que inclui paixão e sexo estão, por motivos diferentes, internados em conventos religiosos. Aurélio por vocação e Christine por razões que não cabe aqui mencionar. Apesar de separados, o verdadeiro amor que sentem um pelo outro e a profunda decepção com a conduta viciosa e pervertida dos religiosos que encontram em ambos os conventos, estabelecem uma troca de cartas em que Christine questiona o celibato e vai comprovando que, para a salvação da alma é necessário desfrutar dos prazeres terrenos, ser feliz e salvaguardar o corpo para a ressurreição e o consequente encontro com Deus. Junto com companheiros que se identificam com suas idéias, Aurélio e Christine fogem para a Espanha e constituem uma comunidade baseada no amor, na liberdade e na repartição da produção com os camponeses (impensável no sistema feudal), que fica conhecida como Vilaviciosa, a cidade dos hereges.
Aproveitando o que há de incerto sobre o Santo Sudário, Andahazi cria uma história possível, encaixada na história oficial, a partir de um objeto de origem duvidosa, porém de importância inegável. Fala sem reservas sobre a vida licenciosa dos conventos, as condições adversas e limitadas da vida de grupos mais frágeis – como os pobres e as mulheres – numa sociedade extremamente desigual que se sustentava na sordidez, na hipocrisia e na crueldade. E não poupa a Igreja, como instituição que, de diversas maneiras, fomentou a desgraça humana. Cria um texto forte, cheio de erotismo e ao mesmo tempo rico na reflexão sobre a aplicação dos ensinamentos bíblicos na nossa vida real, tomando como eixo o binômio corpo/ressurreição, fator significante do Santo Sudário e linha mestra da argumentação de Christine. Apesar de a narrativa ser, por vezes, um pouco arrastada e pesada, especialmente em suas cartas, o livro vale ser lido.
Questiona a legitimidade das instituições/igrejas como propagadoras e mantenedoras do cristianismo em sua essência tendo em vista suas alianças com as instâncias de poder e deixa para o leitor uma reflexão sobre sua conduta perante os dogmas e os valores impostos pelas religiões, congregações e similares frente à sua própria capacidade de discernimento. E em que pese a grande diferença entre a Idade Média e atualidade, a questão que Andahazi levanta ainda cabe, infelizmente.
Nota: 4,5/5
Nota da capa : 3/5 – A capa não é feia, mas pouco criativa. Dá a impressão que o livro é uma simples aventura com castelos, cavaleiros medievais, lanças, armaduras...
Parece ser um livro que enseja reflexões ao mesmo tempo que diverte. Fiquei muito interessada nessa história. Valeu a dica!
ResponderExcluirBeijocas