Viagens insólitas | ||||||||||||||||||||||
De Arthur Clarke a Philip K. Dick, descubra aqui quem escreveu as melhores histórias que atravessam as fronteiras do tempo e do espaço | ||||||||||||||||||||||
por Ulisses Capozzoli | ||||||||||||||||||||||
Se você quer embarcar no universo da ficção científica, mas ainda não encontrou a porta de entrada, aqui vai uma sugestão: comece por obras e autores mais conhecidos e logo se dará conta da infinidade de escolhas que tem pela frente. Talvez a descoberta que você esteja para fazer é que não bastam as sugestões e recomendações de resenhas literárias. Isso faz com que muitas das listas feitas por escritores e críticos – quanto ao que supostamente existe de melhor – não passem de referência. Úteis, é verdade, mas nenhum guia de campo é capaz de substituir a descoberta pessoal. As seções de ficção científica em livrarias de países como os Estados Unidos e a França, para citar dois exemplos, são a demonstração mais demolidora do descompasso brasileiro nesse segmento que Ray Bradbury, com certa irreverência, classificou de corrente principal, em vez de mero tributário, no rio largo da literatura. O crítico Fausto Cunha, também autor – certamente você encontrará As noites marcianas em um sebo –, foi dos mais empenhados na consolidação da ficção científica no Brasil, mas sua morte interrompeu essa tarefa que continua aquém das nossas necessidades, mesmo com alguma ampliação, mais recentemente.
Cunha escreveu, numa longa introdução a No mundo da ficção científica (Summus), de L. David Allen – “A ficção científica no Brasil, um planeta quase desabitado” – que esse filão, “a exemplo da ficção policial e de mistério, é um gênero tipicamente anglo-americano. Quem percorre catálogos, revistas e livrarias observa que os autores americanos e ingleses respondem por 90% ou mais da produção publicada nessas áreas”.
Pelo menos dois trabalhos recentes sugerem alguma ampliação da ficção científica no Brasil. Um deles é Ficção científica, fantasia e horror no Brasil – 1875/1950 (Editora UFMG), projeto de iniciação científica posteriormente publicado como livro por Roberto de Sousa Causo, em 2003. Significativo também é que a iniciação científica tenha sido custeada com bolsa concedida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), coisa que nem o beneficiado por ela acreditava possível. Causo diz que um desses pareceristas anônimos, capazes de romper com certo tradicionalismo do que pode e deve ser beneficiado com recursos públicos, foi fundamental para a concessão da bolsa que resultou no livro.
Outra abordagem foi feita pela pesquisadora americana Elizabeth Ginway, Ficção científica brasileira: mitos culturais e nacionalidades no país do futuro, e publicada aqui pela Editora Devir este ano. Ao contrário de Causo – também o tradutor de Ginway para o português –, ela se restringe aos últimos 60 anos, cobrindo o que ficou conhecido como “Geração GRD”, formada pelo grupo estimulado pelo editor Gumercindo Rocha Dórea, que publicou também As noites marcianas, de Fausto Cunha.
Evidentemente, todo o levantamento feito tanto por Fausto Cunha quanto por Roberto Causo e Elizabeth Ginway mereceria considerações. Mas como a intenção, aqui, é sugerir algumas indicações iniciais, melhor passarmos rapidamente a elas. Para começar é preciso dizer que mesmo os mais desinteressados leitores de ficção científica conhecem Arthur Charles Clarke, autor do conto “A sentinela”, que deu origem ao clássico 2001, uma odisséia no espaço, levado para o cinema sob direção de Stanley Kubrick.
O que ler de Arthur Clarke? Esse é o primeiro desafio em se tratando de um autor tão prolífico. De qualquer maneira, ao menos uma obra pode ser estimulante: A sonda do tempo, uma coletânea de contos que ele próprio organizou e de que participa com “Respire fundo”. Essa reunião do que Arthur Clarke considera o melhor da ficção científica mundial foi lançada no Brasil pela Nova Fronteira em 1983. Tem a vantagem de permitir não só um primeiro contato direto com Arthur Clarke como provar a nata da ficção científica internacional, caso de Robert A. Heinlein, Murray Leinster, Theodore L. Thomas, Robert Silverberg, James H. Schmitz, Cyril Kornbluth, Philip Latham, Jack Vance, Julien Huxley e o conhecidís¬simo Isaac Asimov, sem dúvida o mais produtivo de todos. Por essa lista é possível concordar com Fausto Cunha sobre o fato de a ficção científica ser, na realidade, um gênero tipicamente anglo-americano, ainda que o primeiro escritor desse gênero tenha sido um francês, Júlio Verne, autor de Viagem ao redor da Lua. Na coletânea de Arthur Clarke, atente especialmente para dois contos: “Meteorologia”, de Theodore L. Thomas, e “Cibernética”, de Murray Leinster. Thomas, nada conhecido por aqui, é um bem-sucedido químico e advogado de patentes que já escreveu sob o pseudônimo de Leo¬nard Lockhard. Murray Leinster, pseudônimo de Will F. Jenkins, tem vários títulos publicados no Brasil desde 1917. Na antologia de Arthur Clarke, surpreendentemente, não aparece Philip K. Dick. O fato é que Philip K. Dick é absolutamente imprescindível e só ele renderia um volume completo de considerações. No total, escreveu pelo menos 44 romances – 36 deles de ficção científica – 121 contos e uma biografia. Foi precursor do gênero cyberpunk que funde rock, quadrinhos, prosa pós-moderna e narrativa policial, tudo isso misturado a temas científicos. Certamente sua obra mais conhecida é Do androids dream of electric sheep? (traduzido no Brasil como O caçador de andróides), levado para o cinema como Blade runner – O caçador de andróides, com direção de Ridley Scott.
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