Resenha escrita por Sueli Couto
Tema  Jan/2012 - Literatura Gastronômica


Mais uma obra de Veríssimo, em que a gastronomia está na berlinda. O genial escritor consegue, desta feita, com humor refinado, produzir um livro sobre os pecados da gula, contando uma história de dez amigos que se reúnem uma vez por mês para celebrar um dos pecados capitais, a gula, cheia de mistério, romance, suspense e desvario.

Eles são conhecidos como “Clube do Picadinho”, que tem esse nome porque, quando eram garotos, sempre se encontravam no bar do Albieri para comer o famoso “picadinho do Albieri”, que todos adoravam.

Mas no decorrer do tempo o paladar desses amigos foi evoluindo, e foram tomados pela avidez de saborear pratos cada vez mais sofisticados.

O grupo de amigos perdeu a vontade de perseverar na requintada comilança mensal quando um dos membros morreu. Então, Daniel, o narrador e protagonista encontra Lucídio, um gourmet misterioso, ao qual fala sobre o Clube do Picadinho e sua decadência após a morte de um dos membros.

Lucídio então se oferece para preparar o próximo jantar do Clube, que será na casa de Daniel. No dia do jantar, Lucídio preparou o prato favorito de Abel. Tudo saiu perfeito e o grupo percebeu que ele seria a salvação do Clube, que voltara a ter o encanto que havia se quebrado com a morte de Ramos.

Entre pratos exóticos, deliciosos, requinte, vinhos, mágoas, lembranças e recitações de O Rei Lear, de Shakespeare, a cada jantar, misteriosamente, um membro do Clube morre.

E é interessante notar que os amigos membros do Clube, mesmo ante a morte paulatina de cada um, se entregam ao pecado da gula e à ansiedade por mais um encontro gastronômico sofisticado, sem escrúpulos ou remorsos: a adrenalina ante esta perspectiva aumenta muito mais o prazer pela comida.

A história não está somente nos assassinatos, pois se mistura com o pecado da gula, na falta de vontade de continuar a se reunirem num determinado momento, na certeza do fracasso que suas vidas se transformaram, coroada por um indistinguível anseio de alguém que aspira morrer comendo sua refeição favorita, concluindo, os amigos, que o fim da existência terrena tem tanto significado quanto o prazer de comer.

Eles sabem e gostam disso.

O livro é muito bom e às vezes se torna um pouco imprevisível, à medida que a postura de certos personagens se torna confusa.

Ao longo do livro, a história entretece uma trama sobre a gula e a euforia e avidez que cada um dos integrantes desse grupo nutrem pela comida.

Só Veríssimo para conseguir prender a atenção do leitor com um argumento que, à primeira vista parece simples (a reunião inocente de um grupo de amigos para degustar comidas sofisticadas), para, paulatinamente, jogá-lo num emaranhado suspense, que o leva a experimentar um sentimento de incredulidade, que é a idéia de alguém ansiar por uma morte em grande estilo, resultante da degustação de um  saboroso e requintado jantar.

Mais uma vez, uma obra de Luís Fernando Veríssimo coloca a gastronomia no centro das atenções, para, a partir dela, colocar em evidência uma gama de sentimentos e emoções confusos e complexos do ser humano.


Leave a Reply